revistas | Monet | ed. Globo | Ed. 72


Texto Arnaldo Branco

Todos sabem como a cobertura televisiva da Guerra do Vietnã foi fundamental para o fim da mesma: as imagens chamaram a atenção para o absurdo do conflito e transformaram os correspondentes de guerra em heróis. Mas poucos conhecem o episódio do repórter brasileiro que foi na contramão da História e forjou todas as suas matérias, de uma distância segura do alcance das bombas de napalm.


Oriovaldo Canela era correspondente da TV Record em Paris em 1967. Maio de 68 ainda estava adiante na curva, e seu trabalho consistia basicamente em cobrir as novas modas e a nudez eventual de Brigitte Bardot em prol da ecologia. Mas essa rotina de champagne e croissant acabou quando a emissora decidiu transferí-lo para o Vietnã quando a guerra engrossou.

Era uma medida de economia, já que Oriovaldo era o jornalista da Record mais próximo da zona de conflito e porque imaginavam que em um país subdesenvolvido, sem Maxim's e Chanel, ele não teria como manter a mesma média de dois mil dólares em despesas extras. Mas o correspondente não deixou Paris sem resistência.

Confessadamente covarde, Oriovaldo tentou fugir da tarefa alegando que tinha alergia a mosquito e baixa resistência a climas úmidos. Mas a emissora insistiu. Foi aí que bolou seu plano de fuga perfeito. Com a cumplicidade do câmera Marcelo Figueirinha, pegou o primeiro avião para Aruba e passou a transmitir de lá como se na guerra estivesse.

Usando como fundo as palmeiras do deslumbrante paraíso caribenho, Oriovaldo falava ao microfone em um tom grave para dar os números de baixas no exército americano e vietnamita, recebidos por telex em sua suíte presidencial no Hotel Ambassadour. Alguma edição tosca com material de documentários e filmes de guerra foi necessária para parecer que o Oriovaldo testemunhava uma carnificina nas reportagens que enviava para o Brasil.

Certa vez tropeçou durante uma festa em uma boate local e teve que fazer um curativo na testa. Para dar dramaticidade, disse para o pessoal da emissora que tinha sido atingido por um estilhaço de granada, mas que não iria contar isso para os telespectadores para não parecer que estava "querendo tirar partido da situação trágica no Vietnã do Norte". Mas é claro que as imagens do repórter com a cabeça enfaixada geraram especulações sobre o risco que estava correndo em lugar tão perigoso. Cogitaram seu nome para uma futura condecoração por bravura.

A farsa foi descoberta quando Figueirinha, por descuido, filmou (e não apagou na edição) um guarda-sol, no fundo de cena de uma matéria que em tese se passava em Khe Sahn. E também porque as despesas extras de Oriovaldo triplicaram.

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