revistas | Monet | ed. Globo | Ed. 77


texto de Arnaldo Branco

Muitos se lembram do vacilo do ministro Rubens Ricupero em 1994, quando o então titular da pasta da Fazenda confidenciou, no intervalo do Jornal da Globo, que não tinha escrúpulos. No mesmo ano, Galvão Bueno disse algumas coisas desabonadoras sobre Pelé durante as transmissões da Copa do Mundo. Muitos lembram também que nos dois casos o vídeo vazou para quem tinha antena parabólica em casa - mas o que ninguém sabe que é que os dois descuidos foram propositais.


Como muitos desconfiam, o mundo é controlado por um Poder Oculto, com idéias muito particulares sobre a inconveniência da imprevisibilidade. Os homens que decidem os destinos da humanidade procuram minimizar a possibilidade de catástrofes de dimensões apocalípticas através de experiências controladas de avaliação e redução de danos. A TV, aparelho de disseminação de propaganda, sempre se prestou a esse serviço.


Pois bem. Antes de 94 já se sabia que o futuro seria a aldeia global, a interatividade, a velocidade na troca de informações - e, principalmente, o fim da privacidade. No ano em questão a internet já existia - ainda não tinha o alcance e a capacidade de hoje, mas já mostrava todo seu potencial para agilizar a troca de idéias, inclusive de jerico, entre os homens. E se ao invés de ser aproveitada para a propagação do conhecimento, a rede mundial dos computadores fosse usada para o mal - por exemplo, para divulgar coisas comprometedoras sobre autoridades?


A Globo foi forçada a participar de um desses teste anti-caos e convulsão social, liberando o sinal aberto no intervalo de algumas transmissões para saber como a sociedade se comportaria diante da possibilidade de flagrar figuras de vulto em momentos de intimidade. A antena parabólica, espécie de captador doméstico de transmissões via satélite, daria a alguns espectadores o privilégio de acompanhar alguns formadores de opinião desavisados cometendo gafes em tempo real. Mas quais?


A direção escolheu Galvão Bueno porque o Brasil já estava acostumado a ouvi-lo falar besteiras diante do microfone e provavelmente perdoaria qualquer coisa que dissesse em off, e Ricupero porque parecia um sujeito comedido demais para falar alguma barbaridade ao vivo. Pois houve uma reversão de expectativas: o país finalmente concordou com alguma coisa dita pelo Galvão e o ministro que parecia um monge deu um show de indiscrição.


Ao redor do mundo, experimentos do mesmo tipo foram ministradas com sucesso, como a divulgação do grampo telefônico em que o príncipe Charles afirmava querer ser o tampax de sua amante Camilla. Todas demonstraram que o mundo estava pronto para a comunicação global: as pessoas simplesmente perderam a capacidade de ficar chocadas há muito tempo.

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